Os trabalhos de amor e outras mandigas, dissertação de mestrado apresentada por Kelson Oliveira ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN, trata das experiências mágico-religiosa vividas por diferentes sujeitos adeptos e freqüentadores que se movem pelo conjunto de quatro terreiros de umbanda da cidade de Limoeiro do Norte, Ceará.
É um trabalho marcado, no decorrer do processo de construção do conhecimento científico, pela inquietação e paixão. A inquietação leva o autor ao desejo de conhecer para além do aparente, dos limites; coloca-o aberto para viajar por outras experiências. A paixão o aproxima do lado humano e dos problemas que envolvem a existência, que serão vistos com o olho da razão e o olho da paixão.
A disponibilidade de mergulhar na experiência humana e, por que não dizer, numa antropologia das emoções, aproxima-o de um tema pouco explorado pelas ciências sociais no campo dos estudos das religiões afro-brasileiras – a noção de trabalho e a experiência que envolve os sujeitos durante o processo de busca por respostas as questões que se colocam em suas trajetórias. Processo esse vivido e ritualizado no âmbito do espaço religioso, mas também imbricado no cotidiano social dos muitos afazeres desses sujeitos.
No geral, os pesquisadores que se dedicaram ao tema observaram a existência de ritos mágicos-religiosos para várias finalidades, entre as quais os trabalhos, ressaltado como um dos seus maiores atrativos para a recorrência dessa prática. No entanto, o tema foi tratado de forma secundária, como se fosse socialmente menos relevante, com preconceito, que desqualifica a magia. Kelson Oliveira resolveu então enfrentar o desafio de mergulhar no íntimo recanto dos desejos, sofrimentos, prazeres dos sujeitos para desvendar e conhecer o universo da magia. É nessa opção que vai investir seguindo o caminho inverso as reflexões predominantes nos estudos que tem a magia e a Umbanda como objeto de estudo, conforme argumenta: “talvez justamente porque, amparados numa dicotomia que vê a magia como inferior à religião, não consideram que há nos trabalhos uma experiência rica e importante de ser olhada”.
Assim, o pesquisador parte ao encontro dos terreiros, estabelecendo lentamente relações próximas e duradouras com os pais e mães de santo, seus adeptos e freqüentadores. Acompanha as giras públicas e os trabalhos particulares – trabalhos de amor, de destranca e de cura – destinados a solucionar problemas amorosos, financeiros e de saúde. Participa das atividades e das conversas nos terreiros. Torna-se atento as vozes ansiosas para serem ouvidas. Aprende a escutá-las. Deixa-se maravilhar pelas histórias que escuta e ser invadido pelos pequenos detalhes das experiências dos personagens descobertos.
O olhar conceitual o conduz a perceber a experiência mágico-religiosa dos trabalhos como a vivencia de uma realidade que compreende campos cognitivos, sensoriais, emocionais, reflexivos, estreitamente imbricados. A análise rigorosa, na perspectiva de um olhar de dentro, evidencia a forma como vai abordá-lo: “com a adoção do conceito de experiência, o pesquisador tem a possibilidade de se referir às religiões, magias e mitos como uma realidade que as pessoas vivem, experimentam, e não como alguma coisa menos real em que os fulanos acreditam. É dessa forma que encaro os ritos mágico-religiosos da umbanda, considerando-os não somente uma “crença”, mas uma experiência, contendo suas singularidades”. Assim, continua o autor, “não existem, por exemplo, pessoas que acreditam que Zé Pelintra possa lhe garantir um emprego, existem pessoas que vivenciam isso, que o sentem, que ouvem o que Zé Pelintra tem a dizer. É uma verdade que se vive, uma realidade que se sente, e toda verdade contém uma experiência própria”.
A partir de um trabalho de campo etnográfico minucioso e de uma análise apurada, as múltiplas dimensões que envolvem a experiência mágico-religiosa dos trabalhos são apresentadas em suas formas mais significantes, como o jogo performático da vocalidade e das sensações corporais que ela abarca; o saber-fazer de um conhecimento aprendido e transmitido na vivência coletiva e cotidiana; e a subjetividade das idéias, emoções e valores dos sujeitos envolvidos no processo.
Ao final temos um texto etnográfico, narrativo, poético, em que as vozes, inclusive a do próprio autor, tornadas visíveis, compõem um empreendimento textual de imagens e palavras extremamente rico em observações e detalhes só perceptíveis a um olhar treinado, mas profundamente sensível.
Os trabalhos de amor e outras mandigas representa uma contribuição singular aos estudos do universo religioso afro-brasileiro, seja pela reflexão sobre a noções de “trabalho” e experiência mágico-religiosa, seja por mergulhar no âmbito mais íntimo e profundo dos sujeitos – a sua emoção. Mas fundamentalmente por procurar traduzir a vida existente no complexo mundo da Umbanda, o movimento dos sons, das cores, da diversidade das práticas. O movimento das gentes que percorrem os seus labirintos a procura de respostas para angústias e sofrimentos. A experiência do sagrado no encontro com entidades espirituais e o que significa “ouvi-la, tocá-la, beber em seu copo” (Luiz Assuncao).
Já estou com meu exemplar em mãos, autografado.
ResponderExcluirFicou bacana a edição. E também assisti à mesa sobre religião com Kelson, Marcos e Antoinette no evento da semana do Folclore. Chamei minha turma da disciplina Cultura Popular pra assistir, já que tinha tudo a ver com o tema do evento mesmo.