sábado, 29 de agosto de 2020

A resistência das culturas populares


A potiguar Maria Ieda Silva de Medeiros, 82 anos de idade, conhecida como Dadi – Mestra Dadi – calungueira, brincante do João Redondo, teatro popular de bonecos, foi a principal homenageada no 2º Seminário de Teatro de Animação, realizado recentemente em Joinville, Santa Catarina.

O João Redondo é uma forma de expressão do teatro popular de bonecos, marcado pela influência da estrutura dramática da commedia dell’arte, combinando ritmos e personagens da cultura popular local ao utilizar bonecos que encarnam personagens e ganham vida através da vocalidade do brincante. O enredo tradicional do teatro de João Redondo gira em torno da relação entre o Capitão João Redondo, fazendeiro, e o Nego Baltazar/Benedito, que, na maioria das histórias, é seu empregado, construindo representações sobre as relações de dominação-dominado e a inversão de hierarquias, no texto obra em performance.

Dadi, ao realizar sua brincadeira, cria personagens, elabora suas apresentações. Mas também se tornou conhecida por sua arte de fazer bonecos, no qual se destaca por extrapolar os habituais bonecos de luvas, ao dar forma a marionetes de fios, de vara, em bonecos de grande porte.

Nessa terra potiguar são muitos os nomes de brincantes do João Redondo, alguns são referências para a geração mais nova. Apenas uma mulher – Dadi, nessa linhagem que inclui o mestre Bastos (Sebastião Severino Dantas), considerado um dos primeiros que se tem notícia, mestre Zé Relampo, mestre Chico Daniel (Francisco Ângelo da Costa), mestre João Viana, entre outros.

O amor pela arte de brincar o João Redondo não é o único elemento que liga todos eles. A brincadeira que também é trabalho, sobrevivência, ou melhor, dizendo, é a vida de mulheres e homens que se dedicam a resistir no universo da cultura popular. Recentemente tomamos conhecimento de brincante de João Redondo que colocou via internet sua mala de brinquedos (de trabalho) a venda para obter recursos que garantisse sua sobrevivência. Esse é um exemplo, pode ser o mais recente, mas poderíamos elencar diversos outros.

Resistência talvez seja a melhor tradução da luta travada por querer continuar a viver e tecer fios próprios de histórias e memórias, frente a estruturas que excluem de suas políticas o direito das culturas tradicionais existirem.

Para saber + sobre o João Redondo:   
CANELLA, Ricardo Elias Ieker Canella. A construção da personagem no João Redondo de Chico Daniel. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Natal: UFRN, 2004.

GOMES, José Bezerra. Teatro de João Redondo. Natal: Fundação José Augusto, 1951.

GURGEL. Deífilo. Espaço e tempo do folclore potiguar. Natal: Grafpar, 1999.

JASIELLO, Franco Maria. Mamulengo – o teatro mais antigo do mundo. Natal: A.S. Editores, 2003.

MACÊDO, Zildalte Ramos de. Show de Mamulengos de Heraldo Lins: construção e transformações de um espetáculo na cultura popular. Natal: IFRN− Editora, 2015.

_____. Teatro de João Redondo do Rio Grande do Norte: transmissão, negociação e circulação da prática e do saber. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Natal: UFRN, 2019.  

PEREIRA, Maria das Graças Cavalcanti. Dadi e o Teatro de Bonecos: memória, brinquedo e brincadeira. Natal: Fundação José Augusto, 2011.      




3 comentários:

  1. A professora Graça Cavalcanti tem se dedicado a pesquisar a vida e a obra da mestra Dadi.

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  2. Parabéns pelas reflexões acerca do nosso patrimônio cultural que servem também para repensarmos sobre nossas pesquisas na academia, para reivindicarmos ações do poder público, enquanto conhecedores dessa realidade e como cidadãos.

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