segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Trecho da entrevista do professor Luiz Assunção para a série A ressureição da Jurema (Jornal Folha de São Paulo)

 

O antropólogo Luiz Assunção, professor da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), também enxerga na pluralidade a marca da jurema. É uma herança indígena que se misturou com influências africanas e catolicismo popular.

A religião oficial, no entanto, sempre condenou o catimbó como feitiçaria e culto demoníaco. Foi a semente da perseguição policial contra seus praticantes e os da umbanda.

"A jurema sempre existiu como prática ritualística, foi passando, passando, e chegou às populações urbanas, mas a intolerância fez com que se fechasse como prática de pequenos grupos em torno de um mestre vivo, em consultas individuais", diz o antropólogo potiguar, autor do livro "O Reino dos Mestres: a Tradição da Jurema na Umbanda Nordestina" (Pallas).

Para Assunção, a sobrevivência da jurema teve a ver com o descaso do Estado perante os pobres das cidades nordestinas. Sem acesso adequado a serviços de saúde, eles recorriam a consultas com os mestres, grandes conhecedores de plantas medicinais, e a seus "recados" mediúnicos.

"Existe um processo político em torno de lideranças religiosas, que ganha forma nos encontros de juremeiros realizados em alguns estados nordestinos, que remete à construção de pertencimentos a partir da valorização de signos da tradição indígena."

A associação com a umbanda ganhou força institucional nos anos 1960, quando começaram a surgir as federações nordestinas dessa outra religião sincrética originária do Rio de Janeiro, na qual entram orixás africanos, catolicismo e kardecismo.

Catimbozeiros e juremeiros se abrigaram nas federações, nas quais viam uma promessa de proteção contra a repressão. Abrigo que, afinal, não se concretizou –até hoje os terreiros sofrem ataques, como ocorreu com o de mestre Rômulo.

Nesse processo, a jurema ficou em posição subalterna, como um apêndice das casas de umbanda. O preconceito social continuou forte. "Ainda hoje, a classe média não vai à jurema", diz Assunção; quando muito, intelectuais se sentem atraídos pelo candomblé e sua imagem de maior pureza africana.

Há um movimento de revalorização do catimbó no meio urbano, contudo, em iniciativas como a de Rômulo Angélico, e até mesmo um fluxo recente de catimbozeiros de Natal para São Paulo. Mas não é só nas capitais nordestinas que suas práticas estão ressuscitando.

Fonte: Cultos com alucinógeno da jurema florescem no Nordeste. Marcelo Leite. Jornal Folha de São Paulo, 29.jul.2022.

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