Artigo de
Drauzio Varella foi publicado no domingo, 30 de junho, no Caderno Ilustrada, da
Folha de São Paulo.
Apesar dos anos vividos, ainda me surpreendo com a estupidez humana.
Os crentes dizem que Deus houve por bem limitar-nos a inteligência, para impedir que bisbilhotássemos seus domínios. Se assim agiu, pena não lhe ter ocorrido impor limites para a burrice dos seres que criou à sua imagem e semelhança.
Um grupo de deputados reunidos na Comissão
de Direitos Humanos, presidida por um evangélico sem nenhuma aparência de homem
fervoroso, aprovou o projeto conhecido como "cura gay", que assegura
aos psicólogos o direito de aplicar métodos de tratamento destinados a
transformar homo em heterossexuais, e de apregoar aos incautos a cura da
homossexualidade, práticas condenadas pelo Conselho Federal de Psicologia e por
todas as pessoas com um mínimo de discernimento.
Em todos os povos conhecidos, uma
parcela de indivíduos em alguma fase da vida experimentou orgasmo por meio da
estimulação dos genitais realizada por uma pessoa do mesmo sexo.
A incidência da homossexualidade varia
de acordo com o grupo social. Um estudo clássico dos anos 1950 mostrou que em
cerca de 60% das populações pesquisadas o comportamento homossexual é aceito
sem restrições. Na África, entre os povos Siwan, e no sudoeste do Pacífico,
entre os melanésios, virtualmente todos os homens praticaram sexo com outros
homens em algum estágio da vida.
As 40% restantes vivem em países nos
quais a homossexualidade é objeto de tabu social. As nações industrializadas se
enquadram nesse grupo minoritário.
Embora os dados nem sempre confirmem com
exatidão, a homossexualidade masculina parece ser duas a três vezes mais
prevalente do que a feminina, em todas as sociedades até hoje avaliadas.
A maioria esmagadora dos indivíduos que
experimentam orgasmos com pessoas do mesmo sexo são bissexuais. No Ocidente,
homossexualidade pura, caracterizada pela ausência de práticas sexuais com o
sexo oposto durante a vida inteira, ocorre em apenas 1% da população.
Comportamento homossexual tem sido
descrito em répteis, pássaros e mamíferos, animais que na evolução divergiram
há mais de 100 milhões de anos. Uma parte dos machos e fêmeas de todas as espécies
de aves estudadas têm relações sexuais com indivíduos do mesmo sexo. Em muitas
ocasiões, essas práticas terminam em orgasmo de apenas um ou dois dos
parceiros.
Nos mamíferos, a maioria das relações
homossexuais entre as fêmeas acontece quando uma parceira monta sobre a outra,
comportamento já documentado em pelo menos 70 espécies: ratos, hamsters,
coelhos, martas, gado, carneiros, cavalos, antílopes, porcos, macacos,
chimpanzés, bonobos, leões etc.
Há mais de um século e meio, Charles
Darwin nos ensinou que uma caraterística presente em diversas espécies
distintas indica que foi herdada de um ancestral comum, portador do mesmo
traço. Podemos garantir que o ancestral que deu origem aos vertebrados tinha
dois globos oculares, caraterística herdada por todos os animais com esqueleto.
O paralelismo é óbvio, prezadíssimo leitor: se o comportamento homossexual está documentado em animais tão distintos quanto répteis, aves e mamíferos, é porque a homossexualidade é mais antiga do que a humanidade.
O paralelismo é óbvio, prezadíssimo leitor: se o comportamento homossexual está documentado em animais tão distintos quanto répteis, aves e mamíferos, é porque a homossexualidade é mais antiga do que a humanidade.
Certamente, já existiam hominídeos homo
e bissexuais 5 a 7 milhões de anos atrás, quando nossos ancestrais resolveram
descer das árvores nas savanas da África. Está coberta de razão a sabedoria
popular ao dizer que a homossexualidade é mais velha do que andar a pé.
Sempre houve e haverá mulheres e homens
que desejam pessoas do mesmo sexo, porque essa é uma característica inerente à
condição humana. Com persistência e determinação, eles podem controlar o
comportamento sexual, mas o desejo não. O desejo é uma força da natureza mais
íntima de cada um de nós; é água que corre montanha abaixo.
Os fatores genéticos e as interações sociais envolvidas no comportamento sexual são de tal complexidade que só a ignorância crassa é capaz de propor simplificações.
Os fatores genéticos e as interações sociais envolvidas no comportamento sexual são de tal complexidade que só a ignorância crassa é capaz de propor simplificações.
Eu, que sempre coloquei em dúvida a masculinidade daqueles excessivamente
preocupados ou ofendidos com a homossexualidade alheia, gostaria de saber em
que porta de botequim os nobres deputados ouviram falar que o homossexual é um
doente à espera de tratamento psicológico.
Alguns nadam e outros remam contra a corrente. Escuto tudo isso ao som do Milton Nascimento:
ResponderExcluirAgora não pergunto mais pra onde vai a estrada
Agora não espero mais aquela madrugada
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada
O brilho cego de paixão e fé, faca amolada
Deixar a sua luz brilhar e ser muito tranquilo
Deixar o seu amor crescer e ser muito tranquilo
Brilhar, brilhar, acontecer, brilhar faca amolada
Irmão, irmã, irmã, irmão de fé faca amolada...