A busca da África no candomblé:
tradição e poder no Brasil
Stefania Capone
Rio de Janeiro: Contra Capa Livaria; Pallas
Editora, 2004.
Este é um livro de raras qualidades intelectuais e
textuais, capaz de dialogar simultânea e diretamente, em planos distintos, com
os pressupostos da “tradição antropológica” francesa e com as literaturas
brasileira e anglo-americana sobre os cultos de possessão em geral. Entretecido
à luz de um longo e detalhado percurso etnográfico demarcado pela figura de Exu
ao longo do século XX no Brasil, Stefania Capone monta e discute seus
argumentos com base não só na observação participante, mas também em entrevista
e em detalhada documentação iconográfica.
Coo tema central desses argumentos, as relações de
poder na construção da legitimidade nos cultos afro-brasileiros, desembocando
na demonstração da irredutível, e histórica, constituição mutua entre a “tradição
dos orixás” e seus “antropólogos”. Ainda que esse ponto tenha sido abordado
antes e depois deste trabalho, a presença do denso cotidiano das casas de
cultuo, com seus jogos de poder, dá-lhe uma outra dimensão que revela o intenso
uso dos achados desses jogos. Neste ponto de chega, vale enfatizar ainda o belo
tom de objetividade alcançado pela autora na permanente reflexão sobre sua própria
trajetória de mais de uma década em interação com casas de candomblé e
instituições acadêmicas em nosso país.
Longe de olhar estrangeiro que tenta redimir a
estranheza do mundo nas quimeras atribuídas ao outro que tenta decifrar ou
dominar, Stefania Capone procura explicitar os limites epistemológicos de seu
trabalho como elemento de análise dos fluxos e das trocas presentes na
permanente recriação das tradições hegemônicas de uma África que teria
originado a suposta pureza de parte do candomblé praticado no Brasil e deixado
as pegadas a serem “corretamente” refeitas pelos antropólogos que a ele se
agregam. Sem pretender a exaustão e a completude de sistema auto-explicativos, A busca da África no candomblé é uma
importante inflexão a via de acesso ao entendimento critico da profundidade histórica
desse mundo em “crioulização” e “mistura” dos novos movimentos sociais da
crença e do sagrado, e por isso, mais que lido, deve ser continuamente retomado
em atenção às tensões atribuídas ao futuro das religiões.
Antonio Carlos de Souza Lima
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