domingo, 10 de setembro de 2023

Feira do Livro do Porto 2023

 

Neste domingo a Feira do Livro do Porto 2023 chega ao seu final, depois de quinze dias de intensa programação, pensada em torno da palavra. Considero que esse é o diferencial da feira. Explico: a palavra move a feira, numa comunhão que inclui o autor homenageado, Manuel António Pina (1943-2012) e uma programação diversa, composta por livros, festival literário, música, teatro, cinema, documentários, performances, exposições, intervenção mural, entre outras. Como afirma o coordenador da programação da FLP 2023, João Gesta, “palavra escrita, palavra dita, gritada, muitas vezes sussurrada, palavra encenada, palavra cantada, resistindo ao silêncio, ao tempo, à ausência, à ignorância, à opressão” ou como escreveu o próprio Pina em um dos seus livros: “as palavras são seres furtivos, capazes de sentidos onde não alcançam, pobres deles, os dicionários. O seu poder é enorme e ninguém nem nada lhe está imune. É um saber”. 

Na intensa programação oferecida precisei fazer escolhas e me concentrei nas conversas literárias, “Toda a biografia é um romance” e “É sempre a tremer que levo o sol à boca”. No primeiro ciclo, o interesse pelo gênero biográfico, sobretudo estava a querer saber mais sobre a vida e a obra de Pina, biografado por Álvaro Magalhães. Assim, nos demais encontros, conheci a poetisa Natália Correia e Manoel de Oliveira, este último sabia de sua importância para o cinema. No segundo, fui levado pela proposta do diálogo com poetas sobre o espaço afetivo da escrita e o seu processo criativo. 

Outro ponto, igualmente significativo na proposta da feira, é a escolha do local e a estrutura organizada em diferentes suportes. O local é exatamente o parque conhecido pelo nome Palácio de Cristal, uma bela área verde, com amplos espaços disponíveis para circulação, sociabilidade ou simplesmente contemplar a natureza e a bela visão do rio Douro. A estrutura física disponível inclui os equipamentos da biblioteca municipal, espaços para exposições, apresentações artísticas, restaurantes, entre outros. Neste cenário foram montados os 130 stands para as livrarias, editoras, alfarrabistas. 

A organização do evento tem divulgado seu sucesso em números. Particularmente me chamou atenção a grande presença de diferentes gerações. Nesse ponto é visível a presença do portuense, morador local, como a do turista. A feira é, inclusive, parte da agenda turística. Para além da programação cultural destinada a faixa etária adulta, existe uma intensiva atividade para o público infanto-juvenil.

Percorrer a feira, ver as ofertas editoriais, inclusive da produção local, folhear livros, fazer a difícil escolha de alguns volumes e acompanhar parte das atividades literárias, foram exercícios prazerosos que no mínimo alimentou meu espírito. 

Dos livros escolhidos – Todas as palavras: poesia reunida, de Manuel António Pina, o homenageado da Feira, poeta, escritor, cronista, jornalista, dramaturgo, Prêmio Camões de 2011, compartilho o poema “Todas as palavras”.

 

As que procurei em vão,

principalmente as que estiveram muito perto,

como uma respiração,

e não reconheci,

ou dessistiram e

partiram para sempre,

deixando no poema uma espécie de mágoa

como uma marca de água impresente;

as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te

nem foram capazes de dizer-me;

as que calei por serem muito cedo,

e as que calei por serem muito tarde,

e agora, sem tempo, me ardem;

as que troquei por outras (como poderei

esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);

as que perdi, verbos e

substantivos de que

por um momento foi feito o mundo

e se foram levando o mundo.

E também aquelas que ficaram,

por cansaço, por inércia, por acaso,

e com quem agora, como velhos amantes sem

desejo, desfio memórias,

as minhas últimas palavras. 

 

PINA, Manuel António Pina. Todas as palavras: poesia reunida. Porto: Assírio & Alvim, 2018, p. 281. 

https://www.feiradolivro.porto.pt/


    Fonte: Divulgação: Feira do Livro do porto. m.facebook.com

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