Neste domingo a Feira do Livro do Porto 2023 chega ao seu final, depois de quinze dias de intensa programação, pensada em torno da palavra. Considero que esse é o diferencial da feira. Explico: a palavra move a feira, numa comunhão que inclui o autor homenageado, Manuel António Pina (1943-2012) e uma programação diversa, composta por livros, festival literário, música, teatro, cinema, documentários, performances, exposições, intervenção mural, entre outras. Como afirma o coordenador da programação da FLP 2023, João Gesta, “palavra escrita, palavra dita, gritada, muitas vezes sussurrada, palavra encenada, palavra cantada, resistindo ao silêncio, ao tempo, à ausência, à ignorância, à opressão” ou como escreveu o próprio Pina em um dos seus livros: “as palavras são seres furtivos, capazes de sentidos onde não alcançam, pobres deles, os dicionários. O seu poder é enorme e ninguém nem nada lhe está imune. É um saber”.
Na intensa programação oferecida precisei fazer escolhas e me concentrei nas conversas literárias, “Toda a biografia é um romance” e “É sempre a tremer que levo o sol à boca”. No primeiro ciclo, o interesse pelo gênero biográfico, sobretudo estava a querer saber mais sobre a vida e a obra de Pina, biografado por Álvaro Magalhães. Assim, nos demais encontros, conheci a poetisa Natália Correia e Manoel de Oliveira, este último sabia de sua importância para o cinema. No segundo, fui levado pela proposta do diálogo com poetas sobre o espaço afetivo da escrita e o seu processo criativo.
Outro ponto, igualmente significativo na proposta da feira, é a escolha do local e a estrutura organizada em diferentes suportes. O local é exatamente o parque conhecido pelo nome Palácio de Cristal, uma bela área verde, com amplos espaços disponíveis para circulação, sociabilidade ou simplesmente contemplar a natureza e a bela visão do rio Douro. A estrutura física disponível inclui os equipamentos da biblioteca municipal, espaços para exposições, apresentações artísticas, restaurantes, entre outros. Neste cenário foram montados os 130 stands para as livrarias, editoras, alfarrabistas.
A organização do evento tem
divulgado seu sucesso em números. Particularmente me chamou atenção a grande
presença de diferentes gerações. Nesse ponto é visível a presença do portuense,
morador local, como a do turista. A feira é, inclusive, parte da agenda turística.
Para além da programação cultural destinada a faixa etária adulta, existe uma
intensiva atividade para o público infanto-juvenil.
Percorrer a feira, ver as ofertas editoriais, inclusive da produção local, folhear livros, fazer a difícil escolha de alguns volumes e acompanhar parte das atividades literárias, foram exercícios prazerosos que no mínimo alimentou meu espírito.
Dos livros escolhidos – Todas as palavras: poesia reunida, de
Manuel António Pina, o homenageado da Feira, poeta, escritor, cronista,
jornalista, dramaturgo, Prêmio Camões de 2011, compartilho o poema “Todas as
palavras”.
As que procurei em vão,
principalmente as que
estiveram muito perto,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou dessistiram e
partiram para sempre,
deixando no poema uma
espécie de mágoa
como uma marca de água
impresente;
as que (lembras-te?) não
fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de
dizer-me;
as que calei por serem
muito cedo,
e as que calei por serem
muito tarde,
e agora, sem tempo, me
ardem;
as que troquei por outras
(como poderei
esquecê-las desprendendo-se
longamente de mim?);
as que perdi, verbos e
substantivos de que
por um momento foi feito o
mundo
e se foram levando o mundo.
E também aquelas que
ficaram,
por cansaço, por inércia,
por acaso,
e com quem agora, como
velhos amantes sem
desejo, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.
PINA, Manuel António Pina. Todas as palavras: poesia reunida. Porto: Assírio & Alvim, 2018, p. 281.
https://www.feiradolivro.porto.pt/
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