Mesa
Fria:
Sobre formas hiper-ritualizadas de alimentar no candomblé
(Rio de Janeiro: Telha, 2023) é produto de pesquisa desenvolvida no contexto de
estágio Pós-doutoral realizado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, no período de
2021-2022, cujo tema versa sobre o complexo ritualístico da Mesa Fria, à comida
e ao comer no candomblé. O autor, Patrício Carneiro Araújo, antropólogo,
professor da UNILAB, babalorixá, filho de Oxóssi, conjuga suas experiências
acadêmica e religiosa para, com cuidado, negociação e respeito acessar os
rituais, proceder ao registro etnográfico e refletir sobre os significados da
cultura religiosa, “sem ferir o princípio do segredo” guardado no âmago das
religiões afro-brasileiras.
A
Mesa Fria, conforme termo usado pelo povo de santo, se refere especificamente
ao complexo ritualístico existente em algumas das expressões tidas como mais
tradicionais dos candomblés jeje-nagô, ligado ao consumo de comidas votivas e
ao gerenciamento do desperdício de alimentos intraterreiro, como nos ensina o
autor.
O
olhar atento do pesquisador vai ao encontro de um daqueles temas ainda pouco
conhecidos no campo dos estudos acadêmicos afro-brasileiros, como é o caso da
Mesa Fria, prática atualmente restrita a um número menor de terreiros, mantidas
sob a guarda do segredo e, como ressalta o autor, parece existir uma retomada dessa
prática religiosa. Além desses aspectos, é importante destacar que chama
atenção de Patrício Carneiro o fato da prática da Mesa Fria estar ligada a um
“modo próprio de gerenciar a preparação, circulação e consumo interno de comida,
alimentando os membros da comunidade e evitando o desperdício”, afirmando a
possibilidade de diálogo com práticas contemporâneas de consumo sustentável e
saudável. Assim, ao procurar compreender o complexo ritualístico da Mesa Fria,
prática religiosa inserida na tradição do candomblé, o autor constrói um fio de
reflexões e análises, problematizando questões que dialogam com as mudanças da
alimentação e dos modos de comensalidade no mundo urbano contemporâneo.
Ao
ressaltar os autores clássicos da antropologia da alimentação no Brasil, o
autor informa sobre um amplo campo de estudos na temática alimentação e das religiões
afro-brasileiras, destacando como estes se colocam abertos para problematizarão
de novas questões, indicando continuidades de pesquisas e estudos, como este sobre
a Mesa Fria. Assim, ao propor em seu estudo uma perspectiva crítico-comparativa
entre “as práticas alimentares percebidas em comunidade de povos tradicionais
de terreiro e práticas alimentares contemporâneas próprias de grandes centros urbanos”,
Patrício Carneiro dialoga com as perspectivas de autores contemporâneos, como a
reflexão sobre as situações dos costumes alimentares (Claude Fischler), desritualização
das refeições (Susana Inez Bleil), comportamentos
alimentares hiper-ritualizados e as regras de pureza alimentar (Marta Francisca Topel), além de fazer
uma leitura da teoria da ritualização (Erving Goffman) para aplicar aos estudos
da Mesa Fria.
O
presente trabalho prima por um rigor teórico e metodológico que está vinculado à
cuidadosa leitura e análise dos diferentes autores com os quais procura
dialogar e a uma ética na pesquisa, como já expressada anteriormente, sem
esquecer-se da própria sistematização do trabalho de campo e recolha dos dados
empíricos que inclui os processos de observações, entrevistas, registros
fotográficos, etc., em um campo espacial que abrange terreiros de candomblé nas
regiões metropolitanas de Fortaleza, Natal, João Pessoa, Salvador e São Paulo.
A
leitura do livro Mesa Fria nos lembra a importância de se conhecer e
compreender os saberes tradicionais próprios das populações de terreiro e, o
ponto mais significativo, como a sociedade pode aprender com esses ensinamentos,
com as suas concepções de mundo e natureza.
São
muitos os méritos do trabalho de Patrício Carneiro Araújo, agora editado em
livro e que tive o prazer de acompanhar durante seu processo intelectual de
produção. Por último, gostaria de sublinhar que a construção etnográfica do
texto, tecido na trama das relações e na experiência vivida, no diálogo com a
antropologia visual, em seu conjunto, texto, imagem e reflexão, faz a obra ganhar
vida e importância.
Editora
Telha – www.editoratelha.com.br
E-mail:
contato@editoratelha.com.br
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