A Jurema merece respeito

 

Foi com esta frase que fechamos o documentário Catimbó-Jurema, da série Êxtase Ritos Sagrados – Programa Fantástico, TV Globo 2005. Vinte anos depois, ainda precisamos repeti-la, apesar do direito constitucional (Artigo 5º da Constituição Federal de 1988).

Mais de uma década depois da apresentação do referido programa, exatamente em 2018, Pai Freitas (Severino Willian Freitas), sacerdote dirigente do Terreiro de Jurema Mestre Benedito Fumaça, organiza o primeiro “Encontro de Juremeiros de Natal”, e, nos anos seguintes (2019-2024), será acolhido pela Fundação Cultural Capitania das Artes, em sua política de abertura para a diversidade cultural. Uma jurema foi plantada e o território passou a ser considerado sagrado pela comunidade juremeira de Natal.

A Jurema Sagrada, como é denominada pelas comunidades religiosas, se refere a um complexo de concepções e representações da tradição indígena vivido através de um processo de circulação, trocas e transformações, presentes na religiosidade nordestina, sobretudo no âmbito das religiões afro-brasileiras e comunidades indígenas.   

No caso potiguar, a Jurema Sagrada é reconhecida, em 2024, pelo Governo do Estado como patrimônio religioso e cultural imaterial (Lei Estadual da Deputada Divaneide Basílio) e registrada no calendário oficial de Natal (Projeto de Lei 35/2022, de 16/02/2022, da Vereadora Brisa Bracchi), que inclui o dia municipal do juremeiro e das religiões afro-ameríndias, a ser celebrado na data de 20 de janeiro. Ainda tomando os aspectos normativos, o Estatuto da Igualdade Étnico Racial (Lei Estadual 11.284/2022, no Artigo 15, define que “o Poder Público deverá incentivar a celebração das datas relacionadas às personalidades, eventos comemorativos e bens culturais de natureza imaterial que dizem respeito à promoção da igualdade étnico-racial” (Dantas, 2024, p. 5).

Portanto, amparo com base na cultura e/ou no dispositivo legal para justificar a realização do evento e, ressaltamos, em um espaço cultural público, existe. No entanto, a tradição foi interrompida e a saída foi construir articulação em busca de outro espaço.

Nesse domingo passado (12/01), o VIII Encontro de Juremeiros de Natal, foi realizado na Pinacoteca do Estado do RN (Palácio da Cultura). Mulheres, homens, crianças, se fizeram presentes, individualmente ou em grupo, vindas de diversos bairros da cidade para celebrar a fé e a cultura. A pé ou de automóvel, paramentados com suas indumentárias, cores, contas e demais símbolos que expressam a vida e a força da existência. Alguns grupos portavam vestimentas iguais em que se sobressaía à cor e a camiseta com o nome do terreiro a que estavam ligados. Eram muitas as frases escritas que reportavam a tradição, como “Jurema, ciência nobre” (frase de seu Geraldo do Caboclo para o CD Pontos de Jurema, 2008).

O ponto de abertura da Jurema foi cantado, dando início a roda de Jurema ao som dos atabaques e marracas e dos pontos cantados para os caboclos e mestres da Jurema. Na sequência, como nos anos anteriores, foram prestadas homenagens as pessoas ligadas à religião e a cultura. No encontro atual, o destaque foi para as mulheres homenageadas, mulheres que dedicaram sua vida a religião – senhoras mestras da jurema, com a entrega do certificado de honra ao mérito. Na organização das atividades não faltou à feirinha de artesanato, comidas, bebidas e as apresentações artísticas, como a Banda Nêgo Zâmbi e o Coco Juremado RN As Flechas.  

Ao longo desse percurso de luta, o Encontro e a Jurema foram ganhando visibilidade, incorporando a presença de demais pessoas da sociedade, àquelas consideradas simpatizantes, como as inseridas na categoria de turista; ocupando positivamente as páginas dos jornais impressos, virtual e os espaços da televisão.

É fundamental destacar que a presença das religiões afro-brasileiras no espaço público é de certa forma recente e precisa ser compreendida como parte do contexto das políticas públicas do governo federal, a partir de 2003, em seu foco na inclusão e diversidade cultural e a possibilidade de organização de um campo coletivo de ação e luta pelos direitos constitucionais.  

O Encontro de Juremeiros existe. Um existir como ação, em forma de resistência – como a planta jurema em época de seca. Resistência que se faz com e entre as comunidades (no plural), com os diversos parceiros desta caminhada, com os mandatos políticos que somam, desde o princípio, e, não teme dizer de que lado está. O Encontro de Juremeiros de Natal continua em memória, ancestralidade, rumo às comemorações de uma década de afetos e conquistas.

 

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