Li recentemente O sermos mundo, escrito por Mia Couto no livro Pensamentos, que quero compartilhar com vocês. Escreve o autor:
Numa conferencia em que este ano participei na Europa, alguém me perguntou: o que é, para si, ser africano?
E eu lhe perguntei, de volta: E para si, o que é ser europeu?
Ele não sabia responder. Também ninguém sabe exatamente o que é africanidade. Neste domínio há muita bugiganga, muito folclore. Há alguns que dizem o o “tipicamente africano” é aquele ou aquilo que tem um peso espiritual maior. Ouvi alguém dizer que nós, africanos, somos diferentes dos outros porque damos muito valor à nossa cultura. Um africanista numa conferencia em Praga disse que o que media a africanidade era um conceito chamado “ubuntu”. E que esse conceito diz que “eu sou os outros”.
Ora todos estes pressupostos me parecem vagos e difusos, tudo isto surge porque se toma como substância aquilo que é histórico. As definições apressadas da africanidade assentam numa base exótica, como se os africanos fossem particularmente diferentes dos outros, ou como se as suas diferenças fossem o resultado de um dado de essência.
África não pode ser reduzida a uma entidade simples, fácil de entender. O nosso continente é feito de profunda diversidade e de complexas mestiçagens. Longas e irreversíveis que são um dos mais valiosos patrimônios do nosso continente. Quando mencionamos essas mestiçagens falamos com algum receio, como se o produto híbrido fosse qualquer coisa menos pura. Mas não existe pureza quando se fala da espécie humana. Não há economia atual que não se alicerce em trocas. Pois não há cultura humana que não se fundamente em profundas trocas de alma.
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