terça-feira, 22 de junho de 2010

Nelci da Silva. Católica, curandeira, mestra de jurema

Nelci da Silva sempre viveu no sítio Jatobá, no município de Patu – RN. Era casada com seu primo João Batista, filho de João Luiz de Aquino, proprietário do sítio Jatobá. Desde cedo se dedicou a organizar as festas religiosas da comunidade, sejam novenas ou as festas para santo. Essa dedicação levou-a a pensar na construção da capela. Quando ficou pronta, mandou chamar o padre, uma missa foi celebrada e o santo – São Benedito – “batizado”.


Logo após o casamento Nelci ficou doente e começou a receber entidades espirituais. Com o tempo foi dedicando-se a atender aqueles que a procuravam e a realizar curas. Referia-se a sua prática como “trabalho de paz, amor e caridade”. Eram trabalho de cura, de atendimento as pessoas com problemas de saúde. Seus serviços de cura e proteção são procurados por pessoas de diversas cidades. Continua a realizar festas, agora também para orixá e logo após manda celebrar missa na capela.


Estabeleceu contato com Zé Dantas, um senhor de Natal, em suas passagens pela região. Com a continuidade, ela passou a viajar para a cidade de Mossoró, a procura de “trabalho” espiritual.


Para a realização de sua prática religiosa, Nelci utilizava dois espaços: uma sala de sua residência, chamada de “centro”, onde atendia a clientela; e a “jurema”, onde realizava rituais. A “jurema” ficava no mato, perto de sua casa e era conhecida como “a jurema de Nelci”. Ao lado da jurema, existia uma pedreira, onde ela aproveitava para riscar o “signo Salomão”. Na jurema, “ela fazia a jurema de chão, na jurema, no chão, bem limpinho, na jurema, aí nós ficava sentado no chão, todo mundo cantando”. Na pedra, ela fazia o símbolo do “signo Salomão” e “trabalhava”, sentada no chão, acendia vela sob o símbolo desenhado. O dia era a segunda-feira.


Quando incorporava o mestre, este passava os remédios: banhos, chás, meizinhas (remédio do mato). Nos rituais o instrumento musical que utilizava era o maracá, “cantava balançando o maracá” ou então “batendo no copo com a vela, o copo com água e a vela apagada, chamando as entidades”. Mas também, às vezes, usava as palmas para acompanhar os pontos cantados.


Na jurema do mato ela levava bebida, velas, cachaça, cigarro, vinho numa coité, “tudo no pé da jurema”. Ela começava saudando a jurema; pedia licença a Oxossi para poder fazer a entrega do material a ser despachado. Cantavam. A cachaça era despachada. Bebiam o licor da jurema. Seus trabalhos de “mesa de jurema” tinham início com uma reza. Em seguida cantava um ponto de abertura de mesa.


Em 1993, Nelci faleceu. Com a morte de Nelci, sua família não deu continuidade a sua prática religiosa. Aos poucos o centro foi sendo desmontado. O pé de jurema foi cortado, “e ela foi morrendo”. O “signo de Salomão” foi quebrado. Com a morte de Nelci, morre também sua prática religiosa. Todos se calam.


A morte de Nelci fecha o círculo da presença de elementos da cultura religiosa de matriz africana na comunidade. O tema passa a ser tabu; ninguém mais fala no “xangô” de Nelci. Alguns membros da família chegam a negar a participação de seus parentes nos “trabalhos” realizados pela religiosa. A negação da religião afro-brasileira passa a ser um dos elementos constitutivos na construção identitária do grupo.

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