sábado, 5 de junho de 2010

O Narrador

Uma de minhas recentes aulas foi dedicada ao tema narrativas orais, tendo como fio condutor a teoria da narração de Walter Benjamin, mais especificamente seu texto “O Narrador”.

Narrar é uma forma de reconhecer um acontecimento e torná-lo passível de um diagnóstico, uma leitura. O passado ganha vida na voz do narrador, que não apenas recria, mas constrói o passado no presente. Diz respeito a problemas sociais vividos em um determinado contexto social, numa realidade cotidiana, mas também as formas de representação e percepção desses problemas, o sentido que dirige essas ações. Assim, a narrativa implica processos de seleção e produção de atos narrativos individuais, elaboração de significados e interpretações, numa ação compartilhada socialmente.

Guiado por muitas das pistas deixadas por Walter Benjamin, como: “o narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes”, segui durante meses em busca dos mestres juremeiros do sertão nordestino. Conheci muitos deles, alguns grandes narradores, como mãe Quinha (Francisca Fernandes do Nascimento), na cidade de Souza – PB, que narrou seu aprendizado na jurema e o conhecimento das ervas e os ofícios, ainda criança, com sua avó.

Deixemos que mãe Quinha narre um pouco sua experiência de vida:

“Eu tinha problemas. Quando me atacava eu andava assim pelos matos, não dormia de noite, queria porque queria falar com a lua. Eu tinha um grande compromisso com a lua, lua nova, lua cheia, e hoje eu ainda tenho os mesmo compromissos, por que... olhe, na lua cheia eu vou trabalhar com as ervas jurema, arruda. Eu sou muito, muito, pegada também ao angico. Isso tudo eu aprendi com minha avó. Ela dizia: minha filha quando for na lua cheia vamos colher angico. Mãe, a senhor vai colher essa tigela de angico? Vamos, minha filha, colher angico. Pra que a senhora quer angico? Isso vai servir pro home, minha filha. Ela chamava a força do pé, né? Ali ela fazia aquelas garrafonas cozinhada com angico e enchia aqueles vidros... e aqueles agricultores dizia: dona Madalena, eu vim rezar um com problema na pele. Ela ali já fazia o banho de jurema, cozinhava a jurema no óleo e depois daquele banho que ela dava, banho com sabão feito de coco em casa e pegava aquela jurema que ela tinha cozinhada e dava o banho na pessoa todinha. E eu, menina em 1957, era quem carregava a bacia dela, né?” (trecho extraído do livro “O reino dos mestres”).

Um comentário:

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