sábado, 31 de outubro de 2009

Discriminação na escola

O fato de discriminação denunciado pela professora de Macaé lembrou-me um outro ocorrido também numa escola pública, no bairro do Parque dos Coqueiros, aqui em Natal.


No período de 2001-2002 criamos o projeto de extensão “Cultura afro-brasileira nas escolas” chegando a mais de duas dezenas de escolas da rede pública da cidade de Natal. O projeto surgiu da constatação da falta de uma discussão mais ampla sobre questões que perpassam a temática. Assim, o projeto tinha como proposta desenvolver ações culturais que venham contribuir para ampliação do universo educacional do alunado, como também o conhecimento de questões atuais sobre a inserção da população negra na sociedade brasileira: a discriminação, o patrimônio cultural, a identidade. O projeto pretendia ressaltar a presença da cultura africana entre os brasileiros, em especial no RN, e sua importância na formação da sociedade.


A escola do Parque dos Coqueiros foi uma das selecionadas e durante uma semana estivemos naquele espaço escolar com uma série de atividades que incluía entre outras: uma mostra fotográfica sobre danças folclóricas e encantaria, exposição dos trabalhos realizados pelos alunos em diferentes atividades, exposição de objetos de rituais da religião candomblé e umbanda, projeção de filmes e documentários, oficinas de discussão temática, palestras, oficina de literatura infantil, apresentação de grupos folclóricos.


Lembro que logo de início algo me chamou atenção e que depois percebi se repetir em todas as escolas: o fato de algumas professoras não se envolverem com a programação, nem tampouco incentivavam seus alunos a participarem, ao contrário, era muito perceptível que alguns alunos não participavam como no exemplo da exposição de objetos rituais, eles chegavam até a porta da sala, sempre faziam alguma observação negativa, mas não entravam na sala.


Um ano depois de encerrado o projeto tomo conhecimento de que em uma atividade conjunta realizada pelas professoras de português e artes, envolvendo leitura, escrita, desenho e pintura, uma das crianças desenhou e denominou de orixá Exu. No espaço da sala-de-aula nada aconteceu. O problema foi ao expor os trabalhos dos alunos na biblioteca da escola. Ao ver o desenho de Exu exposto, a bibliotecária não concordou porque, em sua versão, se tratava de coisa do demônio. Não sendo possível retirar o desenho da exposição à professora bibliotecária resolveu incitar as outras crianças da escola a tratar o aluno como portador do próprio demônio, “macumbeiro”, entre outras denominações estigmatizantes e discriminatórias, expondo o aluno a situações cada vez mais constrangedoras, uma vez que passou a ser alvo de gozação, por parte dos seus colegas, no cotidiano da escola.


A Federação de Umbanda e Candomblé do RN tomou conhecimento do fato e foi até a escola conversar com a direção, no entanto nenhuma medida efetiva foi tomada. Os pais do aluno que fez o desenho do Exu foram obrigados a pedir transferência para outra escola.


A fotografia foi feita durante a realização do Projeto na Escola Municipal Terezinha Paulino, bairro do Parque dos Coqueiros, em Natal/RN, 2001.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Professora denuncia discriminação. Maria Cristina Marques, 48 anos, professora de Escola Municipal em Macaé/RJ

Em entrevista à imprensa na tarde desta segunda-feira, 26 de outubro, no Rio, o advogado Carlos Nicodemos, representante da professora Maria Cristina Marques, disse que deu entrada na 123ª DP, de Macaé/RJ, com queixa criminal contra a diretora da E. M. Pedro Adami, Mery Lice da Silva Oliveira e o Vice-diretor Sebastião Carlos Menezes, que afastaram a educadora da unidade de ensino, por causa de uma aula de Literatura Brasileira e Redação em que utilizou o livro “Lendas de Exu”, de Adilson Martins, que aborda as tradições culturais e religiosas de matriz africana que se desenvolveram no Brasil.

A diretora e o Vice-diretor — ela evangélica e ele presbiteriano — também foram denunciados administrativamente à Procuradoria-Geral de Macaé, acusados de desvio de conduta disciplinar com fins de discriminação.

O caso já havia sido noticiado pelo ABI Online, depois de denunciado por Maria Cristina Marques durante o Seminário Nacional sobre a Proteção à Liberdade Religiosa, realizado em 30 de setembro na ABI. Neste domingo, dia 25 de outubro, foi motivo de nota na coluna de Ancelmo Gois, no jornal O Globo.

Segundo Carlos Nicodemos, ao final da apuração de infração penal, os dois poderão ser enquadrados na Lei 7.716, conhecida como Lei Caó, que determina pena de um a cinco anos de reclusão, sem direito a fiança, porque na atitude dos dirigentes da escola “há indícios de prática inconstitucional discriminatória e intolerância religiosa”. Além disso, Mery Lice e Sebastião Carlos Menezes podem ser processados também por crime de injúria, cuja pena pode variar de três meses a dois anos de reclusão.

O caso da professora de Maria Cristina é um flagrante desrespeito à liberdade de expressão, que fere a Constituição de 1988 e a Lei federal 10.639/03, sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que determina o ensino da História africana e da cultura afro-brasileira nas escolas.

Fonte:
SOUESP (souesp@grupos.com.br)
http://groups.google.com.br/group/alexandrecumino

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

MPF quer proteger terras quilombolas em João Pessoa/PB

O Ministério Público Federal na Paraíba (MPF) recomendou à Prefeitura de João Pessoa que não autorize a implantação, operação, comercialização de qualquer loteamento, ou construção dentro da área onde se localiza a comunidade quilombola de Paratibe, sem a aprovação da comunidade por seus legítimos representantes.


Na recomendação, o procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Duciran Van Marsen Farena, deu prazo de 20 dias para que a Prefeitura demarque a área da comunidade quilombola de Paratibe através de georeferenciamento. O objetivo, segundo o procurador, é afastar dúvidas quanto à área pretendida pela comunidade, bem como identificar construções e ocupações irregulares.


O mapeamento também servirá para averiguar denúncia de que uma porteira teria sido colocada ilegitimamente em uma estrada, impedindo o acesso da comunidade ao mangue. Para o procurador é necessário conservar o meio ambiente natural, “impondo-se a preservação e abertura do acesso aos corpos de água e mangues onde a comunidade realizava suas atividades de coleta e extrativismo”. A prefeitura tem prazo de 30 dias para informar ao MPF as providências adotadas para o cumprimento da recomendação.


Fonte: Observatório Quilombola, 25/10/2009 (www.koinonia.org.br).

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Jardim das folhas sagradas


O filme Jardim das folhas sagradas, do cineasta baiano Póla Ribeiro, encontra-se em fase de finalização e com previsão de lançamento para o próximo mês de novembro.

Jardim das Folhas Sagradas conta a história de Bonfim, negro baiano que tem sua vida virada pelo avesso com a revelação de que precisa abrir um terreiro de candomblé. Com os espaços disponíveis cada vez mais raros, ele acaba procurando um lugar na periferia empobrecida e degradada. Afastado da tradição e questionando fundamentos como o sacrifício de animais, Bonfim cria um terreiro modernizado e descaracterizado, o que lhe trará graves conseqüências.

Numa época em que o crescimento urbano acelerado e a favelização transformam as cidades em espaços cada vez menos habitáveis, o candomblé, religião ancestral trazida pelos escravos africanos, tem uma grande lição de convívio e preservação da natureza a oferecer. Ao personagem Bonfim e a toda cidade de Salvador. Um filme que fala de obediência, amor, desprezo, amizade e traição.

O filme foi rodado em espaços de três terreiros de Salvador e contou com a participação voluntária de filhos e filhas de santo de outros terreiros, cedendo inclusive objetos e equipamentos. Há ainda cenas realizadas durante a Caminhada da Liberdade realizada no dia 20 de Novembro, em homenagem a Zumbi dos Palmares e locações no Curuzu/Liberdade, maior bairro negro de Salvador.

Segundo material de divulgação, o filme contou com um orçamento médio, mas precisam de estratégias para competir a algum número entre 80 e 150 mil espectadores, como imagina o diretor e sua equipe. É fundamental que todos contribuam na divulgação do filme, para que um maior número de pessoas possa ver o filme, pois, como explicou o diretor em entrevista a imprensa, a primeira semana de um filme nos cinemas é crucial, se não há bilheteria o filme não permanece, sai logo do cartaz.

A equipe pensa na criação de um formato diferenciado de publicidade e aquisição de ingressos antecipados para fazer o filme chegar mais as pessoas negras e aos adeptos e simpatizantes das religiões de matriz africana.

Ajude a divulgar o filme. Veja como no site: www.jardimdasfolhassagradas.com

domingo, 25 de outubro de 2009

Destaques da Mostra

Para os críticos do Jornal Estado de SP se tiver de escolher um só filme, esse será o filipino INDEPENDÊNCIA, de Raya Martin, considerado o maior filme da Mostra. Mãe e filho fogem para a floresta às vésperas da invasão das Filipinas pelos americanos.

O jornalista e crítico de cinema Luiz Zanin indica os filmes Perseguição e Shirin.

PERSEGUIÇÃO - A intensidade amorosa dá o tom neste filme de Patrice Chéreau. Um rapaz mantém relação conturbada com uma mulher. E vê sua casa ser invadida por um importuno, de quem não consegue se livrar. Filme de climas e tensão sensual, bastante valorizado por Charlotte Gainsbourg.

SHIRIN - Abbas Kiarostami desenvolve uma de suas mais ousadas propostas estéticas. A câmera fixa-se nos rostos de uma platéia de mulheres, que assiste a um drama histórico num teatro. O espectador jamais vê a ação no palco. Apenas ouve as vozes que vêm do palco e vê a expressão facial das espectadoras, interpretadas por 110 atrizes iranianas. Pesquisa radical.

Para o crítico Luiz Carlos Merten os filmes Yuki & Nina e Mother são os imperdíveis.

YUKI & NINA - O ator francês Hypolithe Girardot estréia na direção assinando a quatro mãos com Nobuhiro Suwa. Um processo de separação é visto pelo ângulo de duas crianças. Riqueza de observação humana e social e sensibilidade para os corpos, adultos e infantis (2009, França).

MOTHER - O coreano Bong Joon-ho disse que fez este filme após O Hospedeiro porque detesta se repetir. Talvez não na forma, mas a história da família que busca garota sequestrada não difere desta mãe que quer provar inocência do filho, acusado de assassinato. Querido dos críticos, cinema da Coréia do Sul brilha na Mostra.


Outros filmes destacados pelos críticos do Estadão:


A ÁRVORE DA MÚSICA - 2009 - Brasil

A preservação da árvore-símbolo do país, o pau-brasil, não é apenas uma questão ecológica. É também de interesse musical. Há 250 anos, a madeira da espécime da Mata Atlântica é considerada a melhor para a fabricação de instrumentos de corda, como o violino, e até hoje não encontrou um substituto à altura.

O HOMEM QUE COMIA CEREJAS (A Man who Ate his Cherries) – Irã. Operário de uma fábrica, Reza tem dificuldades ao se divorciar. Pela lei, ele deve devolver à família da ex-mulher o dote que foi pago na ocasião do casamento.

VIDEOCRACIA (VIDEOCRACY) - 2009 - SUÉCIA

Se uma imagem vale mais do que mil palavras, quem melhor faz uso disso é o primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi. Magnata da TV, há três décadas ele domina o que os italianos assistem. Tanto que conseguiu subir ao poder e manter-se lá apesar de muitas denúncias de corrupção. O diretor, de origem italiana, avalia os efeitos desta exposição na população.

VIDA EM BLOCO (BLOQUES) - 2008 - VENEZUELA

O cotidiano de moradores de um conjunto habitacional popular de Caracas. No primeiro prédio, amargurado Manuel vive bêbado até ser surpreendido por um novo amor na figura de Norma, cozinheira de um bar. Para o segundo, muda-se uma família de classe alta em dificuldades financeiras, cuja realidade é ignorada pela filha mais velha, Alejandra, que vive em Nova York.


Mostra de Cinema - www.mostra.org

http://www.estadao.com.br/mostradecinema2009/

sábado, 24 de outubro de 2009

33ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

De 23 de outubro a 5 de novembro acontece a 33ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Serão exibidos 424 filmes, de todos os gêneros e procedências, lançamento de livros, debate sobre o grafite, oficina de Christian Berger sobre fotografia no cinema e apresentação de clássicos brasileiros em cópias restauradas.

O premiado diretor grego Theo Angelopoulos ganhará uma retrospectiva e está entre os convidados da Mostra neste ano. Seu filme mais recente, A Poeira do Tempo, com Willem Defoe e Michel Picolli, será um dos destaques da programação. Uma das convidadas especiais da Mostra será a diva do cinema francês Fanny Ardant, que apresentará seu primeiro filme como realizadora, Cinzas e Sangue. Dentro da programação de filmes, o público poderá rever alguns clássicos estrelados por Ardant, como A Mulher do Lado, Crimes de Autor, De repente, num Domingo e O Jantar.

A 33ª Mostra terá ainda a revisão da obra do diretor e produtor italiano Gian Vittorio Baldi, que trabalhou com diretores como Pier Paolo Pasolini e Alain Resnais, com uma retrospectiva de 13 de seus filmes como diretor e produtor.

O cinema sueco terá uma mostra especial, com filmes que representam várias épocas dessa cinematografia. O público terá a oportunidade de conhecer o trabalho de Hasse Ekman, diretor contemporâneo de Ingmar Bergman, muito citado em publicações sobre cinema em todo o mundo como um dos grandes de seu tempo. O diretor indicado ao Oscar® Jan Troell, cujo filme Il Capitano ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim/1991, também terá filmes dentro do programa.

A arte do pôster do festival tem a assinatura de Otávio e Gustavo Pandolfo, dupla de grafiteiros conhecida internacionalmente como Os Gêmeos. Expoentes da street art, os irmãos ficaram famosos ao pintarem espaços públicos e serem convidados a mostrarem sua arte no museu Tate Modern de Londres. O grafite e as pichações são temas de filmes exibidos na Mostra esse ano, como o polêmico alemão Arte Inconsequência, de Robert Kaltenhaeuser, e o brasileiro Pixo, de João Wainer e Roberto T. Oliveira.

Conforme matérias publicadas no: Jornal Folha de SP e Estado de SP, de 23/10/2009.
Mostra de Cinema - www.mostra.org
http://www.estadao.com.br/mostradecinema2009/

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Audiência Pública na Câmara Municipal de Natal

Com a presença de autoridades políticas, líderes religiosos, demais membros das comunidades de terreiro e da sociedade, foi realizada nesta manhã de 20 de outubro, no auditório da Câmara Municipal de Natal a Audiência Pública para tratar sobre “cultura e religiosidade afro ameríndia descendente”, proposta pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Trabalho e das Minorias, através da vereadora Sargento Regina, a pedido da Federação de Umbanda e Candomblé do Estado do RN.

Inicialmente foi aberto um espaço para que os representantes das comunidades de terreiro pudessem colocar seus depoimentos, estes marcados pelo relato de ações policiais repressivas e por processos judiciais oriundos de membros de igrejas protestantes. Em seguida, alguns vereadores usaram da palavra enfatizando o apoio à causa da religião de matriz africana na cidade e no estado do RN.

Foi solicitado pela Yá Luciene de Oyá apoio para a implementação da Lei 10.639, que trata do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, no caso específico, nas escolas da rede municipal de ensino. Foi também lembrado a importância de mobilização para o dia 20 de novembro, dedicado a I Caminhada Nacional pela vida e liberdade religiosa.

Entre os encaminhamentos propostos destacam-se: solicitar aos órgãos competentes o registro da “jurema” como patrimônio imaterial cultural; solicitar reuniões com o comando da polícia militar e órgãos específicos do executivo municipal para tratar de questões referentes às ações praticadas, tomadas de posições e relações estabelecidas por esses órgãos frente às comunidades de terreiro da cidade de Natal.

É importante ressaltar que a proposta de realização da Audiência Pública foi significativa por tornar públicas problemáticas que este segmento religioso vem enfrentando há décadas. No entanto, é também importante destacar a falta de organização da categoria e sua conseqüência mais visível nesse encontro junto ao legislativo municipal, qual seja a ausência de importantes líderes religiosos e suas comunidades. Por outro lado, aponta também para uma possível fragilidade na articulação da Federação com essas diversas comunidades. Para além de divergências e questões de poder e política, este é um momento para se sentar e conjuntamente pensar em formas de ações que possam enfrentar as perseguições e preconceitos vividos pela religião e cada casa em particular, como também questões de ordem burocráticas, que são decisivas para a manutenção de cada terreiro e barracão.

Ao final do encontro foi realizado o encerramento ritualístico com a participação dos presentes.

Audiência Pública na Câmara Municipal de Natal

Yá Laô Cremilda de Oxum, da Tenda Espírita Iemanjá Ogunté.

Audiência Pública na Câmara Municipal de Natal

Na foto, ao centro, Pai Claudinho Pascoal, do Centro Espírita Caboclo Jaguaraci.

Audiência Pública na Câmara Municipal de Natal


Ritual de encerramento.

Audiência Pública na Câmara Municipal de Natal


Ritual de encerramento.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Ilê Axé Opô Afonjá

Ilê Axé Opô Afonjá



Na Reunião da SBPC de 2001, em Salvador, Bahia, o professor Reginaldo Prandi organizou o Simpósio Afrodiversidade no Brasil, do qual participei juntamente com outros colegas professores, entre os quais Ari Pedro Oro (UFRGS) e Mundicarmo Ferretti (UFMA). Penso que a proposta temática e o fato de estarmos em Salvador, contribuíram para uma ocorrência significativa ao anfiteatro e o seu entorno, onde um sistema de som transmitia as comunicações. Lembro do intenso e caloroso debate. Foi também naquela reunião que o professor Prandi recebeu o Prêmio Érico Vanucci pelo conjunto de sua obra acadêmica dedicada aos estudos da religião afro-brasileira.


Mas, aquele convite a SBPC levou-me a conhecer o Ilê Axé Opô Afonjá. O professor Reginaldo Prandi tinha conseguido agendar uma visita e junto com ele, seguimos, eu, Mundicarmo Ferretti e Paulo Monteiro em direção ao Axé.


O Ilê Axé Opô Afonjá, candomblé de nação Keto, fica localizado no bairro de São Gonçalo, cidade de Salvador. Foi fundado em 1910 por Eugenia Anna dos Santos, Mãe Aninha, Obá Biyi. O Axé Opô Afonjá se liga pela origem ao Ilê Axé Iá Nassô Oká, o Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, de onde também se originou o Gantois. Guardiã da tradição ioruba, Mãe Aninha foi considerada como uma sacerdotisa sempre adiante do seu tempo, como o papel que exerceu na aproximação entre a Nigéria e a Bahia. Esta marca esteve presente na ação de suas sucessoras, Mãe Senhora e Mãe Stella.


Mãe Stella, Maria Stella de Azevedo Santos, Ode Kayode, é atualmente a sacerdotisa responsável pelo Ilê Axé Opô Afonjá.


Ao chegar ao Axé Opô Afonjá observo que a casa de Xagô, patrono do Axé, está localizada estrategicamente bem no centro do terreno, mas o que chama atenção é a organização do espaço religioso. De um lado, a Escola Eugenia Anna dos Santos, o Museu Ohum Lailai, algumas residências da família-de-santo. De outro, as casas dos orixás. Paralelos às atividades religiosas são realizados um conjunto de ações sociais que atendem não apenas aqueles filiados a casa religiosa, mas a comunidade do entorno.


No Museu conhecemos a história do Axé, contada através de fotografias, paramentos e demais objetos ritualísticos. Guardo com zelo dois objetos que adquiri neste local, uma peça de ferro contendo as ferramentas de Ogum e um colar de contas – guia – na cor azul escuro representando Ogum. A iaô que nos conduzia pelo Axé cuidadosamente lavou com folhas de Ogum o colar que em seguida foi colocado em meu pescoço.


Em 1998 o Ilê Axé Opô Afonjá foi tombado pelo Ministério da Cultura como patrimônio histórico e cultural do Brasil.

domingo, 18 de outubro de 2009

70 anos de iniciação da sacerdotisa Mãe Stella de Oxossi, yalorixá do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, Salvador/BA

Mãe Stella, Odé Kayode, o Caçador traz alegria – 70 anos de iniciação

Maria Stella de Azevedo Santos, Odé Kayode.


Conheci Stella quase menina. Não tinha mais de quinze anos e em seu andar já se podia ver o porte altivo das filhas-de-Oxóssi. Sua família não pertencia ao Axé. Com exceção de uma tia, chamada Arcanja de Xangô, que era a sobaloju da casa. Quis o destino que ela fosse feita em São Gonçalo, no ano de 1939. Nessa época, minha irmã Senhora contava ainda com a inestimável colaboração de tia Bada, ebomi antiga, filha de africanos e grande amiga de minha mãe Aninha. Sua participação na iniciação de Stella reforça os vínculos da nova iaô com os ancestrais da casa e com o passado africano. Como não podia deixar de ser, seu primeiro posto foi de kolabá, na casa de Xangô.


Inteligente, fiel, Stella acompanhava regularmente as obrigações do odum e se esmerava em aprender os ofícios e os segredos da seita. Ainda jovem, fez-se enfermeira, indo trabalhar na Secretaria de Saúde Pública do Estado da Bahia. Durante muitos anos, até aposentar-se, conseguiu sempre harmonizar seu trabalho com as suas responsabilidades no Axé. Sempre junto a Senhora, foi aprendendo os fundamentos da casa e da religião. Minha irmã faleceu em 22 de janeiro de 1967. Talvez soubesse, como sabemos hoje, que depois de quase trinta anos, deixava na casa uma filha preparada para o destino que a aguardava. Mas ainda era cedo para tamanha responsabilidade. Durante os anos seguintes, a casa ficou aos cuidados de Mãezinha, Ondina Pimentel, que, já doente, veio a falecer em 19 de março de 1975. Um ano depois de sua morte, cumprida as obrigações fúnebres, foi feito o jogo para indicação da nova ialorixá, e Stella foi a escolhida.


Agenor Miranda Rocha, aluô.


Trecho da apresentação feita para o livro Faraimará – o Caçador traz alegria. Mãe Stella, 60 anos de iniciação. Organizadores: Cléo Martins e Raul Lody. Rio de Janeiro: Pallas, 2000.

sábado, 17 de outubro de 2009

Audiência Pública – Câmara Municipal do Natal

No próximo dia 20 de outubro, às 08:30 horas, na Câmara Municipal do Natal, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, trabalho e das Minorias, está propondo a realização de uma Audiência Pública para tratar sobre “cultura e religiosidade afro ameríndia descendente”.


Além de lideranças religiosas, estarão presentes lideranças políticas, acadêmicos e demais representantes de segmentos da sociedade. No entanto, é de fundamental importância a participação dos membros das comunidades de terreiros.


Faça a diferença. Participe!

Vamos caminhar juntos?

Caminhar significa dar um passo além do outro. Mover-se de um ponto e, seguindo em frente, apontar outra direção, outro rumo, outro caminho. Quando caminhamos juntos fortalecemos a lógica da solidariedade, afirmamos o desejo de estar com outra pessoa ao lado e partimos para construir novas trilhas, novas estradas, outros caminhos...

Há quatro anos caminhamos juntos. Há quatro anos caminhamos pela vida e pela liberdade religiosa. Há quatro anos caminhamos com o CEN, com a Bahia, com as casas de Axé. Agora, em 2009, caminharemos juntos com novos parceiros. Parceiros do país inteiro que, junto conosco, transformaram nosso caminhar na I Caminhada Nacional Pela Vida e Liberdade Religiosa. Caminharemos juntos com o Movimento Nacional Bantu (Monabantu), o Centro de Tradições Afro-Brasileiras (Cetrab), o Instituto Nacional da Tradição Afro-Brasileira (Intecab), AFA, NAFRO, Fórum de Religiosos do Estado da Bahia e do Rio Grande do Sul. E assim caminharemos contra o desrespeito que gera intolerância religiosa.

Assim daremos os primeiros passos para dizer que somos de Axé e temos orgulho disso. Assim avançaremos no sentido de construir a unidade entre nós e, mais que tudo, afirmaremos nossa identidade, reforçaremos nossa auto-estima e nos fortaleceremos de fé para seguir adiante construindo um país democrático onde ninguém precise se envergonhar em afirmar sua própria religiosidade.

Junte-se a nós e faça a diferença! Participe!

Fonte: Coletivo de Entidades Negras
http://cenbrasil.blogspot.com
Informações: (71) 8868-4598 / (71) 9933-4033

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Caminhada Nacional pela Vida e Liberdade Religiosa

Salvador é a sede do lançamento da I Caminhada Nacional pela Vida e Liberdade Religiosa, que será realizada nos dias 21 e 22 de novembro.


A caminhada acontece desde 2005, mas desta vez ganhou uma dimensão nacional, com a participação de 17 estados brasileiros, com seus representantes das religiões de matriz africana. Este evento está sendo organizado pelo Coletivo de Entidades Negras (CEN), com apoio da Secretaria Municipal da Reparação (SEMUR), a Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro (Fenacab) e outras instituições.


Um dos temas, dentre os que serão debatidos neste período preparatório, é a campanha Quem é de Axé diz que é ! , que pretende estimular a afirmação como religiosos de matrizes africanas nas perguntas do Censo 2010. Os números da profissão religiosa com estas características costumam ficar subdimensionados, pois o histórico de repressão ainda faz com que muitos religiosos de candomblé e umbanda não declarem sua real opção religiosa.


Fonte: Coletivo de Entidades Negras

http://cenbrasil.blogspot.com

Informações: (71) 8868-4598 / (71) 9933-4033

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Os negros do Riacho – vinte anos depois


A Editora da UFRN está lançando o livro Os negros do Riacho. A pesquisa foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN como dissertação de mestrado. Trata-se de um estudo etnográfico sobre um grupo específico e suas representações de identidade, seguindo um pressuposto teórico-metodológico amparado nos conceitos de grupo e identidade tal como usados nos estudos da antropologia no campo das relações interétnicas (Barth, 1976) e cultura como processo em permanente construção, dotada de significados passíveis de interpretação (Geertz, 1978).


No início dos anos de 1980, quando decidi estudar os negros do Riacho, no município de Currais Novos/RN, praticamente nada existia escrito sobre eles, exceto as referencias feitas pelos historiadores nomeando as comunidades negras e uma reportagem jornalística publicada em um jornal local em que apresentava dados gerais e ressaltava o caráter de isolamento do grupo. Na cidade, os negros eram vistos de forma estereotipada, quase sempre como bêbados, perigosos e brigões. Essas noções também habitavam meu imaginário que desde jovem ginasiano acompanhava, de minha casa, com o olhar curioso, o vai e vem das pessoas do Riacho em minha rua, principalmente no dia da feira semanal. Chamava minha atenção o fato que andava em pequenos grupos de três ou quatro pessoas. Lembro de mulheres altas e magras com potes de barro sobre a cabeça e à tarde voltavam com sacos de mantimentos. Anos mais tarde, na escolha temática para a dissertação, não tive dúvidas: o campo empírico era a comunidade dos negros do Riacho e o objetivo, estudar seu modo de vida e o processo de construção identitária do grupo.


O trabalho concluído dava-me a certeza que era mais que uma reflexão acadêmica sobre o modo de vida, a luta pela terra, a construção e o sentido da identidade. A narrativa histórica e de vida dos negros do Riacho, agora textualizada, poderia contribuir através de uma ação educativa para a desconstrução das noções estereotipadas sobre o grupo, além de abrir o fio na lacuna existente para o conhecimento das comunidades negras no estado do RN.


O trabalho proporcionou imediatamente ações institucionais: a primeira, se deu através de encontros pedagógicos com professores da rede municipal de ensino de Currais Novos, em que os resultados do estudo foram apresentados e discutidos com o grupo docente, visando à transferência dos conteúdos para o espaço escolar. A idéia de que o conteúdo pudesse ser trabalhado pelos professores de forma transversal, perpassando disciplinas, não teve continuidade, limitando-se aquele encontro com os professores. Vieram outras ações: da igreja católica local, do Estado, movimento social, igreja protestante, etc.


Apesar dessas interferências, a comunidade do Riacho segue o seu cotidiano de miséria social, em busca da sobrevivência, enfrenta os preconceitos da sociedade envolvente, aprimora suas relações e alianças assistenciais e paternalistas.


Mais tarde, pesquisadores se voltam aos negros do Riacho para refletir sobre a cultura, as condições sócio-econômicas e a história. Seguindo os rastros de minha pesquisa, estes estudos reafirmam o interesse empírico e a importância da reflexão sobre questões que envolvem as comunidades negras rurais em um mundo branco. No entanto, somente em 1994 é que vai circular uma versão, em formato artesanal, de minha dissertação sobre os negros do Riacho, promovida pelo setor de reprografia do CCHLA da UFRN.


A terra do Riacho, correspondente a menos de quatro hectares, é seca, coberta por pedregulhos e tabuleiro, dificultando sua fertilidade. Apesar das condições dadas pela natureza algumas roças para alimentação são mantidas durante o curto período do inverno, ficando as pessoas, durante o restante do ano, disponível para o trabalho alugado ou entregues a sorte da política publica assistencial.


A população tem crescido, estando atualmente em torno de 150 pessoas, predominando uma população jovem. o tem crescido, estando atualmente em torno de 150 pessoas, predominando uma populaçoblemO crescimento demográfico, a inexistência de terras apropriadas para agricultura, somados à falta de recursos financeiros para implementação de atividades que visem a sustentabilidade das unidades familiares e, consequentemente, do grupo, tem como conseqüência o abandono de atividades na agricultura, o assalariamento do trabalho e o crescente número de uma população jovem sem ocupação. Pensar a questão da terra é fundamental por sua implicação com a reprodução destas famílias. É necessário ressaltar que, vinte anos depois, a reprodução social do grupo continua dramática.


Mas a terra não é somente fator de produção, ela é, ao mesmo tempo, um bem social para a reprodução física e um espaço de construção da cultura. Nela os seus ocupantes plantam, criam, coletam, caçam, organizam festejos, desenvolvem rituais, brincam e estabelecem relações sociais que vinculam os indivíduos entre si e dão sentido de pertencimento aos seus ocupantes.

O que é ser negro do Riacho e o viver nas terras do Riacho parece continuar instigando em busca da compreensão dos contextos produzidos nas relações entre brancos e negros na sociedade brasileira.

Seminário de Pesquisa