quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A cidade das mulheres (The City of Women. La cité des femmes)

Em 1939 chega a Salvador a antropóloga americana Ruth Landes, vinda da Universidade de Columbia, para realizar seus estudos de doutorado sobre as relações entre brancos e negros na sociedade brasileira.


“Era de manhã cedo, num domingo quente, de céu claro, e a cidade de dois andares da Bahia – a Cidade do Salvador – estendia-se branca e ofuscante acima das águas. Estivadores negros se aglomeravam nas docas, esperando o navio atracar. Senti-me completamente suspensa no espaço, no tempo, nos pensamentos. Quão longe, quão longe estava isto dos livros, da biblioteca e mesmo das salas de aula de Fisk!”


De início encanta-se com a Bahia e com os terreiros de candomblé. Com o apoio Édison Carneiro vai sendo apresentada as principais lideranças do candomblé baiano: Martiniano do Bonfim, Bernardino do Bate Folha, Mãe Menininha do Gantois, Joãozinho da Goméia entre outros. Freqüenta o Engenho Velho (Casa Branca), o Gantois e o Ilê Axé Opô Afonjá.


“Sabia que não seria possível estudar a Bahia como o faria com uma galeria de arte, nem com certas tribos indígenas das nossas reservations, onde se podem contratar indivíduos que se plantem numa cadeira, durante meses seguidos, e falem de si mesmos. Teria de persuadir os baianos a me deixarem participar da sua vida. Teria de abrir caminho para o fluxo humano e tornar-me parte dele. Para estudar as pessoas, deveria viver com elas, apreciá-las e procurar, constantemente, fazer com que gostassem de mim”.


A visão corrente era a de que a dominação masculina, vigente na sociedade brasileira como um todo, era também vigente nos cultos afro-brasileiros. Ao desmontar este esquema simplista, Ruth Landes mostrou a preeminência das mulheres nos cultos nagô e seu status na sociedade brasileira, a relação entre homossexualidade masculina e religiosidade afro-brasileira, como também o lugar da África na interpretação da cultura negra no Novo Mundo. A pesquisa pioneira da antropóloga e suas análises continuam merecendo atenção por parte dos estudiosos da religião afro-brasileira e da temática de gênero em particular.


“Comecei a achar que este era realmente um templo de matriarcas e que os homens, embora desejados e necessários, eram principalmente espectadores”.


Analisando a história e o contexto de vida de Menininha, como ela se refere à sacerdotisa, afirma: “crianças e homens são bem-vindos para uma mulher do templo. São a sua família – e ela cuida deles com a mesma boa vontade com que cuida do seu deus. Em troca, exige liberdade para si”.


Em um determinado momento do livro, Mãe Menininha desabafa: “Nós, as mães, somos como as casa reais, passamos o nosso cargo somente a pessoas da família, em geral a mulheres. – Sacudiu a cabeça e suspirou. – Candomblé é uma grande responsabilidade. Às vezes fico pensando se terei forças para continuar e se tenho o direito de sobrecarregar as milhas filhas com ela”.


Recentemente o documentário “Cidade das Mulheres” do cineasta Lázaro Faria aborda a trajetória da pesquisadora pelos candomblés de Salvador e evidencia o papel das mulheres nesse contexto religioso.


Referência:

LANDES, Ruth. A cidade das mulheres. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 202.

A cidade das mulheres. Documentário. Color, 72 min. Diretor: Lázaro Faria.

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