Gosto muito da poesia de Marize Castro. Para além de uma técnica apurada, o que me encanta é a forma como ela fala da vida, o sentimento posto sutil em meio a palavras, rimas e frases para falar de desejos mais íntimos – o gozo, a tristeza, em foro privado (tornado sagrado) ou público. Aquele íntimo sentimento transforma-se em desejo de múltiplos sujeitos.
Quero dividir a beleza de alguns escritos que retirei de seu mais recente livro Lábios-espelhos.
Estrangeira
Abriga-me em suas coxas
Pois perdi a rota.
Por erro, talvez.
Raro destino, quem sabe.
Fui além de mim.
Afastei-me de casa.
Confundi-me com outras.
Surpreendi-me.
Os fios que teci na sua escuridão
Tornaram-me seta e luz.
Mas estrangeira do que sempre fui.
À espera
Porque nesta casa nada se oculta, eu te chamo.
Entre a vigília e o espelho, eu te espero.
Amo as palavras.
Por elas também virei homem.
Vi fúrias parindo fêmeas ávidas de linguagem.
Mulheres que deslizam.
Entregam-se. Desobedecem.
Dividem suas casas com os pássaros.
Mulheres que guardam a senha:
fechar a porta a qualquer invasão.
Em silêncio, deixa cair
crucifixo, rosário, camafeu.
Nenhum véu. Nenhuma ilusão.
Devolva-me
Devolva-me a cólera, a lanterna mágica,
que transportei comigo enquanto te amei.
Devolva-me a morte, a doença, a saúde,
o caos, o cais, as âncoras, o segredo,
teus ataques me deixaram forte
teus gozos me atingiram a alma
me fizeram odiar o amor.
Devolva-me a fantasia, as árvores sólidas
plantadas à margem de um delicado homem
que caminhava certo para a sabedoria dos pássaros.
Devolva-me o néctar, o túmulo dos milagres
a liberdade dos escândalos, os bosques, a lei da botânica,
a letargia da não-paixão,
o doce repouso nas águas da noite.
amo os versos de Marize...tenho Lábios-espelhos e continuo encantada...Devolva-me é um dos meus preferidos!
ResponderExcluirabraços!