terça-feira, 29 de setembro de 2009

Uma rainha chamada Dona Militana



The queen called lady Militana

No último dia do Festival Literário da Praia de Pipa foram realizadas quatro mesas. A primeira delas abordou o tema do romanceiro potiguar, discorrido pela professora Lílian Rodrigues (UERN), sob minha coordenação. A professora iniciou sua fala conceituando o romanceiro e apresentando um modelo de classificação. Situou o campo de pesquisa no estado do RN, especificando os principais pesquisadores (Câmara Cascudo, Hélio Galvão e Deífilo Gurgel), os informantes e o material registrado. Na seqüência, falou sobre sua pesquisa com a romanceira Dona Militana, destacando a pergunta que a guiou: o que faz a romanceira guardar na memória e lembrar de tão amplo repertório de romances? Seria apenas fruto de sua capacidade mnemônica? Ao falar sobre a trajetória de vida da romanceira, vai argumentando como a construção das versões romanceadas está associada à própria vida de sua produtora, as suas experiências cotidianas, demonstrando como literatura e história de vida se entrelaçam.


Militana Salustino do Nascimento, a cantadora de romances de São Gonçalo do Amarante/RN, nasceu no povoado de Barreiros – sítio Oiteiro. Dona Militana participou de apresentações em São Paulo e Rio de Janeiro. Gravou um triplo CD (Cantares), além de participar de outros três CDs. Foi tema de ensaio fotográfico (Gestos e romances) realizado por Candinha Bezerra e tema de dois vídeos produzidos pela UFRN. Participou do Projeto Música do Brasil apresentado pelas redes MTV e Cultura. Em 2005 foi agraciada pelo Ministério da Cultura com a Ordem do Mérito Cultural, comenda inédita para uma personalidade do estado do RN.


O triplo CD/livro Cantares produzido em 2002 pelo Projeto Nação Potiguar (Fundação Hélio Galvão e Scriptorin Candinha Bezerra) contém 54 cantos, reunindo romances, xácaras, modinhas, cocos, romarias, aboios, enfim uma grande variedade de gêneros relativos à literatura oral.


Falar sobre o romanceiro leva necessariamente a abordar questões sobre cultura popular, produção cultural e patrimônio. Destacar a trajetória de Dona Militana foi a estratégia para pensar a temática. Sabe-se da existência de outros cantadores de romance no estado do RN, embora inexistam pesquisas/reflexões que os tomem como objeto de estudo no plano acadêmico. A visibilidade em torno do nome de Dona Militana se justifica pela importância do seu repertório, mas também pelo investimento produzido pelo Projeto Nação Potiguar que a foi tornando visível para o grande público. Por outro lado, é possível que à medida que foi tomando consciência de sua notoriedade, Dona Militana foi constituindo um tipo – “ela é uma rainha” –, uma performance, utilizada notadamente sempre que se encontra em situações públicas.


Mais que inventariar e registrar os elementos da cultura, como o romanceiro, é necessário produzir conhecimentos fruto de uma relação entre pesquisador e interlocutor, que seja capaz de refletir sobre as condições de vida e produção desses agentes, as representações e significados do mundo cultural e, simultaneamente, possibilitar o retorno do conhecimento produzido a essas populações, dotando-os de códigos que propiciem outros diálogos sociais.


Dica de leitura:

Rodrigues, Lílian de Oliveira. A voz em canto: De Militana a Maria José, uma história de vida. Tese apresentada do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPB. João Pessoa, 2006.

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